Produção de hidrogênio a partir de etanol terá primeira planta-piloto, que poderá abastecer três ônibus e um veículo leve elétricos, que irão circular no campus da USP, em São Paulo
A Cidade Universitária, campus da Universidade de São Paulo (USP) localizado no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo, será a sede de um projeto de combustível verde pioneiro no mundo que prevê a produção de hidrogênio (H2) a partir do etanol. Uma estação experimental de abastecimento de hidrogênio veicular, com capacidade para produzir 4,5 quilos de H2 por hora (kg/h), será construída no local para validação da tecnologia. Com isso, a planta-piloto ocupará uma área de 425 metros quadrados e deverá ser inaugurada no segundo semestre de 2024. A iniciativa será dedicada ao abastecimento de três ônibus e um veículo leve, todos elétricos, que irão circular exclusivamente no campus.
Vale lembrar que o Brasil já possui uma fábrica de hidrogênio verde, situada no Porto do Suape, em Pernambuco.
Produção de hidrogênio a partir de etanol
Além disso, a produção de hidrogênio a partir de etanol possui investimento total de R$ 50 milhões. O anúncio foi feito em 10 de agosto com a presença de representantes de um consórcio liderado pela petrolífera Shell Brasil. Também participam da iniciativa a companhia Raízen, maior produtora global de etanol de cana-de-açúcar, a empresa de tecnologia Hytron, a montadora japonesa Toyota, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído em 2015 com recursos da FAPESP e da Shell.
Segundo o engenheiro Julio Meneghini, diretor científico do RCGI e professor da Escola Politécnica da USP, com essa iniciativa o Brasil se coloca na vanguarda do processo de transição energética. E ainda complementou:
“Se o etanol tiver uma pegada negativa de emissão de CO2 [dióxido de carbono], o hidrogênio passará a ter também uma pegada negativa. E isso nem mesmo o hidrogênio gerado a partir de energia eólica ou solar é capaz de fazer.”
Já o presidente da Shell Brasil, em comunicado à imprensa explicou que “o objetivo desse projeto inovador é tentar demonstrar que o etanol pode ser vetor para hidrogênio renovável, aproveitando a logística já existente da indústria. A tecnologia poderá ajudar a descarbonizar setores que consomem energia proveniente de combustíveis fósseis”.
A petrolífera anglo-holandesa possui um projeto de produção de hidrogênio por eletrólise da água, em Roterdã, na Holanda, usando fontes energéticas renováveis, como eólica e solar. Esse processo utiliza eletricidade para decompor a molécula da água (H2O) em seus elementos constituintes, o hidrogênio (H, formando H2) e o oxigênio (O, formando O2).
Combustível do futuro
Apontado por especialistas do setor energético como o combustível do futuro, o hidrogênio possui alto poder calorífico, quase três vezes superior ao do diesel, da gasolina e do gás natural. Ao ser transformado em energia, alimentando motores veiculares ou em aplicações industriais, ele não emite gases de efeito estufa (GEE). O resíduo liberado na atmosfera é o vapor d’água resultante da ligação do hidrogênio com o oxigênio na reação química que produz a energia.
Como será a produção de H2
Por sua vez, a Raízen será a responsável por fornecer o etanol combustível, que será transformado em hidrogênio por um processo químico conhecido como reforma a vapor. Essa tecnologia foi criada pela Hytron, fundada há cerca de 20 anos por ex-alunos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje pertencente ao grupo alemão Neuman & Esser Group (NEA Group). Apoiado pela FAPESP, o desenvolvimento da tecnologia teve a colaboração do Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos e Fibras (Senai-Cetiqt) e do Laboratório de Hidrogênio (LH2) da Unicamp.
No processo de reforma a vapor desenvolvido pela Hytron, o etanol é submetido a temperaturas e pressões específicas e reage com a água dentro de um reator. Como resultado, a molécula de etanol (C2H6O) é quebrada, deixando disponível o hidrogênio contido nela. A tecnologia está em fase final de desenvolvimento, segundo explica o engenheiro Daniel Lopes, um dos fundadores da Hytron e atual diretor comercial.
Sobre isso, Lopes diz ainda que já conseguiram chegar ao TRL-5 [Nível de Maturidade Tecnológica] com apoio da FAPESP. E agora está sendo desenvolvido uma nova geração de equipamentos para chegar ao TRL-7.
“Para isso é preciso passar por uma utilização em campo. É o que estamos fazendo nessa primeira fase do projeto lançado hoje, com a estação experimental a ser instalada na USP”, diz Lopes.
NASA
Além disso, a escala de níveis de maturidade tecnológica foi desenvolvida pela agência espacial norte-americana (NASA) e é empregada para avaliar o estágio de desenvolvimento de inovações tecnológicas em diferentes setores da economia. No TRL-5, uma nova tecnologia já foi validada em ambiente relevante e a empresa tem capacidade de elaborar um protótipo. No nível 7, o protótipo está demonstrado e validado em ambiente operacional.
Ônibus usados na primeira fase
Em relação aos três ônibus que serão usados na primeira fase do projeto, fabricados pela brasileira Marcopolo, foram cedidos pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) de São Paulo. O automóvel elétrico, um Mirai fabricado pela Toyota, é o primeiro carro a hidrogênio do mundo comercializado em larga escala. Todos eles são equipados com um dispositivo denominado célula a combustível, que gera eletricidade a partir do hidrogênio, sem emitir gases de efeito estufa.
Já uma segunda etapa do projeto prevê a implantação de uma fábrica com capacidade para produzir 44,5 kg/h de hidrogênio a partir de etanol, 10 vezes maior do que a estação experimental da USP. A ideia é que o combustível gerado seja utilizado em uma aplicação real por uma indústria. Por fim, ao correr bem neste processo, essa nova estrutura deverá estar operando no começo de 2025.
*Foto: Reprodução/br.freepik.com/fotos-gratis/gotas-de-oleo-em-um-fundo-abstrato-de-superficie-de-agua_5517900