Uber do agronegócio facilita vida de caminhoneiros que costumavam receber pelas entregas em dinheiro
Aproximadamente 500 mil caminhoneiros transportam fertilizantes, milho, soja, entre outros produtos e com isso, fortalecem cada vez mais a cadeia do agronegócio brasileiro. Porém, nada mudou em décadas, em relação à forma de pagamento por suas entregas. Geralmente, as empresas contratantes solicitam seus serviços por telefone ou via WhatsApp e o pagamento ainda é feito em dinheiro, em muita ocasiões.
Caminhoneiros e Sotran
A empresa de tecnologia para transportes, Sotran, procura modificar este panorama com o uso do aplicativo Tmov, que conecta caminhoneiros, transportadoras e companhias de agronegócio. Para que a transação flua melhor, a empresa criou um cartão de débito, que já possui 35 mil usuários ativos.
Criada em 1985 como uma transportadora por Ruber Dallamaria e Rosler Dallamaria, a Sotran só expandiu o negócio a partir de 2016, quando recebeu investimento do fundo norte-americano de private equity Arlon Group. Assim nasceu o aplicativo Tmov. Hoje, 65% dos 400 mil transportes realizados todo ano pela companhia são feitos pela própria plataforma da Sotran. O plano é atingir 100%. Atualmente, a Tmov possui 500 caminhões e 180 mil caminhoneiros cadastrados, e realiza dois mil carregamentos por dia.
Fundo de investimento
O fundo de private equity também foi responsável pela mudança na liderança do negócio. Criado em 2013 por Charlie Conner ao lado do sócio Bruno Martins, principal coordenador do fundo na América Latina, deixou o comando do fundo para assumir o posto de CEO da Sotran. Na época, o fundo já havia injetado capital em mais três empresas, além da Sotran. São elas: CBL Alimentos, Grano Alimentos e OK Superatacado.
Para os próximos 12 meses, a expectativa da Tmov é movimentar R$ 1 bilhão em pagamentos de frete. Além disso, a empresa fica com uma margem do lucro de cada entrega, porém, não divulgada.
Motoristas exclusivos ao agronegócio
Conner ressalta que o Brasil possui aproximadamente dois milhões de caminhoneiros e cerca de 500 mil motoristas voltados ao agronegócio. O foco da Sotran é adentrar o mercado de transporte rodoviário de cargas, que hoje movimenta R$ 400 bilhões no país, de acordo com a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). Em entrevista à revista EXAME, Conner afirma que a empresa tem a chance de promover tecnologia e uma boa experiência a estes caminhoneiros:
“Nesse segmento, a tecnologia ainda está anos atrasada. Os contatos entre motoristas e empresas ainda é feito por telefone ou Whatsapp”.
Existem no Brasil quase 150 mil transportadoras, com média de 7,6 caminhões, conforme diz a Agência Nacional de Transportes Terrestres. No entanto, a maior parte das cargas é levada por companhias com frotas menores ou motoristas autônomos. Há o desafio dessas empresas de enfrentar o capital de giro que é preciso para suportar o tempo entre investir na entrega, mas também na compra do veículo, contratação do caminhoneiro, além das despesas com combustível e ainda receber o pagamento do cliente.
Dessa forma, escalar a startup fica mais difícil, diz Conner, já que é necessário conquistar os caminhoneiros um a um. Mesmo assim, esse público é essencial para a companhia, já que é o mais carente de soluções, afirma.
Pedido garantido
A plataforma Tmov conecta os caminhoneiros a aproximadamente 700 clientes, entre elas: a exportadora de açúcar e etanol Coopersucar, a produtora de alimentos Cargil, JBS e BRF e a companhia de fertilizantes Yara.
O serviço consiste na informação das cargas disponíveis passadas pelas empresas e a aceitação do frete pelos motoristas, tudo isso via aplicativo. Deste modo, a carga fica garantida e o caminhoneiro não perde viagem ao chegar em um cliente e saber que a carga possa ter sido levada por outro companheiro.
E ainda o motorista consegue viajar sempre com o caminhão cheio. Na prática: se ele levar, por exemplo, grãos do Centro-Oeste aos portos no litoral, na volta pode transportar fertilizantes ao campo. Isso não seria possível se o contrato fosse firmado somente com uma companhia. Hoje, a fatia de veículos que rodam sem carga atinge 43%.
Pagamentos
O Brasil tem 45 milhões de não incluídos no sistema bancário, revela um estudo do Instituto Locomotiva. Portanto, muitos caminhoneiros enfrentam dificuldades na hora de receber por não terem conta em banco. Eles são responsáveis por movimentar R$ 820 bilhões por fora dos bancos, o que equivale ao PIB de Portugal, com US$ 218 bilhões.
Apesar do surgimento de muitas fintechs nos últimos anos, a zona rural ainda é carente deste tipo de solução financeira, conta Conner. Pois, muitos motoristas ainda são pagos em dinheiro, cheque ou até em carta-frete, que está proibida desde 2010. Esta última garantia o pagamento por meio de um documento que é trocado por alimentação ou combustível em postos. Infelizmente, esta prática ainda é uma realidade no país.
Sem contar a questão do risco que é rodar pelas estradas em posse de dinheiro e ainda a dificuldade de conseguir realizar a transferência do valor para a família, além de comprovar renda para obter empréstimos, entre outros empecilhos.
Em abril deste ano, a Sotran lançou seu cartão de débito e já possui 35 mil usuários ativos. Sendo assim, os motoristas também têm acesso a uma conta digital, que possibilita pagar contas e sacar dinheiro. A ideia é se tornar o principal banco dos caminhoneiros.
Para atrair ainda mais motoristas, a empresa pretende desenvolver mais funcionalidades, como transferências e empréstimos, além do serviço de cash back em alguns postos para o abastecimento de combustível. Além disso, a Sotran oferece seguro de vida aos caminhoneiros, serviço que já foi contratado por 35% dos usuários.
Com sede em Londrina, no Paraná, a Sotran também possui um escritório de desenvolvimento em São Paulo. Hoje, ela conta aproximadamente 500 colaboradores. 15 funcionários atuam no atendimento aos clientes, e 350 no atendimento aos caminhoneiros.
Concorrência
A concorrente direta da Sotran é a CargoX, companhia fundada em 2013 que possui 350 mil caminhões conectados a sua plataforma, e atende oito mil companhias, entre elas, a Ambev, Unilever e Votorantim. No ano passado, a CargoX faturou R$ 500 milhões e já acumula US$ 95 milhões em investimentos realizados por entidades renomadas do mercado de startups e de mobilidade.
Outra concorrente é a americana Convoy, que pretende automatizar a negociação entre motoristas e empresas. Fundada em 2015, ela já captou US$ 260 milhões em recursos, incluindo um aporte de US$ 185 milhões vindos da CapitalIG, da Alphabet.
Já a californiana (EUA) Flexport não se limita ao transporte rodoviário e abriu seu negócio também para entregar via aérea, mar e por ferrovias.
A Uber também abocanhou esta fatia de mercado de frete, com a criação da Uber Freight, em 2017, e que se tornou independente no ano passado. já são 400 mil motoristas e 1.000 clientes nos Estados Unidos e Europa.
Fonte: revista EXAME
*Foto: Divulgação