Com a crise provocada pela pandemia de Covid-19, negociações dos primeiros créditos de carbono lançados na bolsa de valores de São Paulo (B3) foram afetados. Sendo assim, foi aberta uma frente de batalha entre distribuidores de combustíveis e produtores de etanol e biodiesel, em relação aos rumos do programa de incentivo a combustíveis renováveis, lançado no governo Michel Temer.
Créditos de carbono na B3
Os primeiros certificados, chamados de CBios, foram registrados na B3 no dia 25 de abril. Até a última sexta feira (17/7), apenas cerca de 1% do volume de títulos registrados tinha sido negociado a valores bem inferiores aos projetados.
Além disso, a falta de negócios revela uma disputa de bastidores no setor no que tange a revisão das metas do programa, em função da pandemia. Contudo, as distribuidoras de combustíveis afirmam que o consumo do produto sofreu forte queda. Com isso, eles pedem o adiamento das obrigações de compra de títulos para 2021.
Em contrapartida, o agronegócio, responsável pela venda dos títulos, é contra. Já o Ministério de Minas e Energia (MME) propôs a redução em 50% das metas de 2020, com efeitos na evolução das obrigações pelos próximos dez anos. Porém, o ministério vem sendo pressionado pelos dois lados para rever a proposta.
Vale lembrar que em 17 de agosto, a Petrobras vai começar o processo de ofertas para a venda da PBIO, a maior produtora de biocombustíveis do país.
O programa
O programa prevê que distribuidoras de combustíveis adquiram certificados para compensar a emissão de poluentes no consumo dos produtores. Sendo assim, a meta é transferir recursos da venda de combustíveis fósseis para a produção de energia renovável. Com isso, o custo cai e incentiva o consumo.
Metas de descarbonização prometidas no Acordo de Paris
Além disso, também há o objetivo de ajudar o Brasil a cumprir metas de descarbonização prometidas no Acordo de Paris. Cada título equivale à emissão de uma tonelada de carbono na atmosfera. Em relação às metas de cada distribuidora, estas são calculadas conforme a projeção de equivalente ao volume de combustíveis fósseis que cada uma coloca no mercado.
Registros dos primeiros CBios
Os primeiros CBios foram registrados com atraso, já que o programa projetava o começo das negociações para janeiro. Porém, dificuldades na certificação dos títulos atrasaram o processo. Apenas no dia 12 de junho que a primeira operação de compra foi concretizada. Na ocasião, a consultoria Datagro, especializada no mercado de etanol, comprou 100 CBios por R$ 50 cada um. No entanto, a empresa afirmou que só adquiriu os títulos com a finalidade de neutralizar as emissões de carbono dos eventos que produz. O valor pago ficou dentro do que o mercado previa antes do começo da pandemia, aproximadamente US$ 10 por título.
Todavia, os preços seguintes baixaram para algo entre R$ 15 e R$ 21. Isso revelou que o mercado depende da definição das novas metas de aquisição pelo governo. Com isso, as distribuidoras de combustíveis tem prazo até o final deste ano para provar que possuem em mãos títulos suficientes para cobrir as emissões.
Meta original
A meta original previa a aquisição de 29 milhões de títulos para 2020, com adicionais anuais até chegar a 95 milhões em 2028. Porém, após o começo da pandemia de Covid-19, o MME propôs reduzir a metade (14,5 milhões de CBios) no primeiro ano. E em 2028, seriam 90 milhões de títulos.
Consulta pública
O assunto foi tema de consulta pública, encerrada no último dia 5. Entre as contribuições do mercado, companhias de etanol e biodiesel questionaram os cálculos do governo e almejam um corte menor. É o caso da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), que fala em pelo menos 16 milhões de Cbios para este ano.
A entidade alega que a meta proposta “é substancialmente inferior” à quantidade de títulos disponíveis, o que deve resultar em superoferta de títulos, eliminando a eficácia do programa.
Em sua manifestação na audiência pública, a entidade disse o seguinte:
“Entendemos que essa redução drástica superestima os efeitos da atual pandemia sobre a atividade econômica e, particularmente, sobre o mercado de combustíveis no país.”
Distribuidoras
Em contrapartida, as distribuidoras ressaltam de que a queda nas vendas demanda uma revisão das metas de longo prazo e afirmam que o curto período disponível para cumprir a meta de 2020 pode ocasionar movimentos especulativos sobre o preço dos títulos. Contudo, pedem o adiamento do início da vigência para o ano que vem.
Como argumento, eles têm apelado para o bolso do consumidor, quando defendem que o programa vai gerar uma elevação no preço da gasolina em um cenário de crise econômica.
Até a última sexta-feira (17), tinha pouco mais de dois milhões de CBios registrados na B3. O valor ficou bastante abaixo, em relação à nova meta proposta pelo MME. No caso da Unica, a disponibilidade chegará a 19,3 milhões de títulos.
MME
Na semana passada, o MME concluiu a avaliação das contribuições à consulta pública e deve fechar na semana que vem uma proposta final. No entanto, segundo apuração da Folha de S. Paulo, já foi descartada a ideia de adiar o início da vigência. Além disso, a tendência é que não tenha alterações significativas em relação à proposta original.
Todavia, a revisão será levada à apreciação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a expectativa é que os novos números sejam aprovados até o início de agosto.
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