Crise prejudica usinas do setor da cana, que hoje conta quase 80 unidades que são apenas destilarias, vendendo a preços mais baixos que ao real custo
A pandemia de Covid-19 fez a venda de etanol cair fortemente nas unidades do centro-sul. A crise prejudica usinas, fazendo com que muitas passem a produzir mais açúcar, em vez do combustível derivado da cana, em meio a uma safra que já se inicia bastante afetada pelo novo coronavírus.
Crise prejudica usinas que produzem apenas etanol
Nos locais de produção que são altamente mecanizados, o protocolo de segurança sanitária, em decorrência da doença respiratória, inclui cuidados que vão desde o transporte até o refeitório, o que envolve a esterilização de equipamentos, desinfecção de máquinas em trocas de turnos e de ambientes, além da diminuição na capacidade de passageiros nos ônibus.
Ao mesmo tempo em que medidas de saúde foram tomadas, do outro lado faltam as medidas econômicas, conforme afirma o setor.
Das 213 usinas que entraram em operação até os primeiros quinze dias de maio, de acordo com a consultoria Datagro, quase 80 são apenas destilarias, ou seja, produtoras apenas de etanol e estão negociando o combustível alternativo a preços inferiores ao de seu custo real. O atual cenário de crise geral fez a UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar) pedir ajuda federal.
Como seria o ano sem a pandemia para o setor?
Caso não existisse a pandemia de Covid-19, o ano de 2020 seria de bons preços para o açúcar e ainda previsão de demanda recorde para o etanol, afirma o presidente da UNICA, Evandro Gussi. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele respondeu sobre o momento atual:
“Impossível saber. Quem disser que sabe está mentindo.”
Os preços do etanol sofrem forte queda desde março. O litro hidratado, vendido diretamente nas bombas, ao produtor estava cotado a R$ 2,16, sem impostos, e chegou a cair para R$ 1,28 num espaço de 30 dias. Na semana passada, estava em R$ 1,43.
Além disso, o etanol é o produto que gera capital de giro às usinas para que elas comecem a safra, época em que mais têm despesas, explica Plinio Nastari, presidente da Datagro:
“Como elas não têm a flexibilidade para fazer açúcar, ficam expostas a esse choque duplo que é queda de preço e de consumo. Aí, quando olha o setor agropecuário como um todo, talvez seja o único afetado. Porque a soja, embora o preço em dólares tenha caído, por causa da desvalorização do real estamos vendo preços perto de R$ 110 a saca. O milho, em Campinas, está em R$ 47, excelente também. A arroba do boi gordo, que já chegou a R$ 220, está se mantendo em R$ 200.”
Panorama assustador
Para Gussi a situação atual é assustadora:
“No ano em que a gente esperava uma safra entre as maiores, vemos uma retração da demanda, acompanhada de redução tão drástica do preço da gasolina. Isso é muito preocupante.”
Ele ressalta, que fora a pandemia, ainda há a disputa entre árabes e russos, em função da produção de petróleo, que resultou na queda da gasolina e, consequentemente, afetando o etanol.
Programa de financiamento
Diante dessa crise que prejudica as usinas, o setor de cana solicitou um programa para poder financiar seus estoques, e também para reequilibrar a Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), incidente na gasolina. Porém, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que não iria aumentá-la, o que casou frustração, revela Gussi:
“É cada dia mais preocupante o que acontece nas usinas. É matemático: estão vendendo etanol abaixo do custo de produção e muito menos do que se esperava vender.”
Desvalorização do real beneficia açúcar
Em relação ao açúcar, mesmo com a queda em dólares em sua cotação, o produto foi beneficiado pela desvalorização do real. Do total de cana processada nas usinas em abril, 45,76% viraram açúcar. No mesmo período, no ano passado, o índice foi de 30,87%, constata Nastari:
“Fabricar álcool significa deixar no tanque a produção e imobilizar capital de giro, no momento que tem maior demanda de capital de giro no setor. Para evitar isso, o produtor pode e está fazendo açúcar, já que o preço se mantém, devido ao dólar.”
No entanto, há um respiro para o setor com a alta recente nos preços do petróleo, em que a Petrobras passou a reajustar a gasolina. Em três semanas, o preço acumula aumento de 38% nas refinarias. Sendo assim, o etanol recupera parte da competitividade perdida.
Fonte: Folha de S. Paulo
*Foto: Divulgação